Campanha nacional discute o risco de crescimento da exploração infantil durante a pandemia

Começa nesta quarta-feira, 3 de junho, a campanha nacional contra o trabalho infantil realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Justiça do Trabalho, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).  A iniciativa alerta para o risco de crescimento da exploração do trabalho infantil diante dos impactos da pandemia. Entre as ações, os rappers Emicida e Drik Barbosa lançam, em 9 de junho, música inédita sobre o tema, intitulada "Sementes", nos aplicativos de streaming. Um videoclipe da faixa chega, na mesma data, no canal de Youtube do Emicida.

“Tendo como fio condutor uma mensagem contra o trabalho infantil, ‘Sementes’ é mais um dos temas que giram em torno desta grande manifestação antirracista - lembrando que o trabalho infantil é majoritariamente exercido por crianças e adolescentes negros -, por isso a urgência de aderir a esta pausa”, destaca o comunicado de adiamento.

Com o slogan “COVID-19: agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil”, a campanha nacional está alinhada à iniciativa global proposta pela OIT. O objetivo é conscientizar a sociedade e o Estado sobre a necessidade de maior proteção a esta parcela da população, com o aprimoramento de medidas de prevenção e de combate ao trabalho infantil, em especial diante da vulnerabilidade socioeconômica resultante da crise provocada pelo novo coronavírus.

Cenário mundial

De acordo com a OIT, antes da disseminação da COVID-19, quase 100 milhões de crianças haviam sido resgatadas do trabalho infantil até 2016, reduzindo o número de 246 milhões em 2000 para 152 milhões, segundo a última estimativa global divulgada. A fim de evitar um aumento dessa estatística em 2020 e perseguir a meta de erradicar essa violação até 2025, a campanha mundial faz um chamamento aos países para que incrementem políticas públicas de proteção visando assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, inclusive o direito ao não trabalho.

O diretor do Escritório da OIT no Brasil, Martin Georg Hahn, destaca que a pandemia e a consequente crise econômica e social global têm um grande impacto na vida e nos meios de subsistência das pessoas. “Para muitas crianças, adolescentes e suas famílias, a crise significa uma educação interrompida, doenças, a potencial perda de renda familiar e o trabalho infantil”, explica. Para Martin Hahn, é imprescindível proteger todas as crianças e adolescentes e garantir que eles sejam uma prioridade na resposta à crise gerada pela COVID-19.

 

Realidade nacional

Mesmo proibido no Brasil, o trabalho infantil atinge pelo menos 2,4 milhões de meninos e meninas entre 5 e 17 anos, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2016, do IBGE. Em 2019, das mais de 159 mil denúncias de violações a direitos humanos recebidas pelo Disque 100, cerca de 86 mil tinham como vítimas crianças e adolescentes. Desse total, 4.245 eram de trabalho infantil. Os dados são do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).

“Os dados revelam o tratamento negligente que o Estado brasileiro tem dispensado a crianças e adolescentes e o enorme distanciamento entre os preceitos constitucionais e a realidade vivenciada; conduzem à inevitável conclusão de que o Estado não se importa com o valor prospectivo da infância e juventude, como portadoras da continuidade do seu povo”, alerta a procuradora Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), do MPT.

Os números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde mostram o quanto o trabalho precoce é nocivo: entre 2007 e 2019, 46.507 crianças e adolescentes sofreram algum tipo de agravo relacionado ao trabalho, entre elas, 279 vítimas fatais notificadas. Entre as atividades mais prejudiciais, está o trabalho infantil agropecuário: foram 15.147 notificações de acidentes com animais peçonhentos e 3.176 casos de intoxicação exógena por agrotóxicos, produtos químicos, plantas e outros.

Um estudo inédito publicado no dia 25 de maio pelo FNPETI revela ainda que mais de 580 mil crianças e adolescentes de até 13 anos trabalham em atividades ligadas à agricultura e à pecuária, que estão na lista das piores formas de trabalho infantil. A pesquisa teve como base o Censo Agropecuário de 2017, divulgado pelo IBGE em 2019. Apesar da redução obtida desde 2006, quando o número era de mais de 1 milhão, com a COVID-19, o trabalho infantil agropecuário também pode voltar a crescer.

Para a secretária executiva do FNPETI, Isa Oliveira, a luta contra o trabalho infantil apresenta desafios ainda maiores no contexto da pandemia. “Crianças e adolescentes estão ainda mais vulneráveis, o que exige do Estado brasileiro medidas imediatas e eficazes para protegê-las do trabalho infantil e proteger suas famílias”, ressalta.

Ações da campanha

Entre as atividades, serão exibidos 12 vídeos nas redes sociais com histórias reais de vítimas, que irão integrar a série “12 motivos para a eliminação do trabalho infantil”. Está prevista ainda a veiculação de podcasts semanais para reforçar a necessidade aprimoramento das ações de proteção a crianças e adolescentes neste momento crítico.

Para marcar o Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil, 12 de junho, haverá um webinar nacional (espécie de seminário virtual) que será transmitido pelo canal do Tribunal Superior do Trabalho no Youtube. O evento conta com o apoio e participação do Canal Futura e vai debater questões como o racismo no Brasil, os aspectos históricos, mitos, o trabalho infantil no contexto da Covid-19 e os desafios da temática pós-pandemia.

As ações continuam durante todo o mês de junho, com uma agenda nacional única que pode ser acompanha pelas redes sociais das instituições parceiras.

Atividades no Piauí

Durante todo o mês de junho, o Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Infantil do Piauí (FETI-PI) promoverá a mobilização dos municípios com agendas montadas e compartilhadas, além de pautar nas mídias locais sobre o tema do trabalho infantil. Outra atividade programada é divulgar a campanha nas escolas por meio de plataforma online.

O FETI-PI irá compartilhar vídeos informativos locais sobre a problemática e responder perguntas frequentes, além de explicar como a instituição contribui com o enfrentamento do trabalho infantil e compartilhar experiências exitosas.

Por meio de lives no Instagram e lançamentos de podcasts em datas ainda por definir, o Fórum discutirá os desafios do enfrentamento durante a pandemia no Piauí, os impactos oriundos da COVID-19, as piores formas de exploração infantil e a importância da aprendizagem profissional e legal dos jovens.

De acordo com a procuradora do Trabalho e secretária-executiva do Fórum no Piauí, Natália Azevedo, é importante incluir nos debates e políticas públicas todos os impactos negativos oriundos da pandemia na vida das crianças e adolescentes em razão de toda crise sanitária, econômica e social atual. Para ela, “a pandemia mascara ainda mais o problema e deixa mais difícil de ser identificado e combatido”.

Ainda segundo a procuradora, o trabalho infantil causa danos devastadores na vida das crianças, seja de ordem física, moral, psicológica e social, por isso precisa ser erradicado. “Nós queremos esses jovens estudando e se profissionalizando, pois queremos formar seres humanos que possam realmente contribuir para o crescimento da nossa nação”, destaca a procuradora.

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